sexta-feira, 15 de abril de 2011

Do currículo


É na função educativa da escola que há possibilidade de crítica dos conhecimentos requeridos pela sociedade e estigmatizados por ela.
Angel Pérez Gómez explica que, sendo a escola produto daquela sociedade desigual em que está inserida, “as diferenças de origem se consagram como diferenças de saída, a origem social transforma-se em responsabilidade individual” (GÓMEZ, 1998, p. 21). Na proposta pedagógica deste autor, é função da escola cabe atenuar essas distinções, reconhecendo-as e intervindo sobre elas de forma compensatória através de modelos didáticos flexíveis que contemplem as diferenças sociais, permitindo o seu intercâmbio.
Rui Barbosa, na sua célebre “Oração aos Moços”, já apontava que “a regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real” (p. 11). Às escolas, segundo a perspectiva de Gómez, compete esse tratamento desigual das partes, visando à igualdade.
Na tentativa de educar os seringueiros de Xapuri (AC) para a sua libertação, Chico Mendes criou o “Projeto Seringueiro – Cooperativa, Educação e Saúde para Seringueiros de Xapuri – Acre”. Através da alfabetização, os seringueiros poderiam ter autonomia para exercer suas atividades de comercialização. Para a realização desse intento, foi necessário a formulação de um currículo que contemplasse o público alvo do curso - do contrário, a aprendizagem talvez sequer se desse pois, sendo mera transposição, estaria completamente deslocada da realidade daquelas pessoas.
A antropóloga Mary Alegretti, que participou desse projeto e escreveu a respeito na sua tese de doutorado, conta que:
“Não havia um material didático que pudesse ser utilizado na alfabetização de seringueiros. A especificidade da vida na mata, o linguajar, o modo de pensar, as palavras usadas no cotidiano, precisavam fazer parte de um livro de educação de adultos especialmente produzido para eles. Poronga foi o nome escolhido para o material de alfabetização e primeiras contas para seringueiros. É uma lamparina que os seringueiros carregavam na cabeça, no passado, quando cortavam seringa à noite. Ainda hoje utilizam quando andam à noite na mata, quando vão caçar ou pescar. Como eles mesmos afirmaram, “do mesmo jeito que a poronga alumia a estrada pro seringueiro cortar, de madrugada, o livro vai alumiar nossas ideias”. O tema central da Poronga era a organização dos trabalhadores rurais no Acre, em especial dos seringueiros e a caminhada em busca de autonomia econômica e política, através do fortalecimento dos Sindicatos, da luta pela terra e da consciência de serem eles agentes da construção de uma nova sociedade.”

É possível ler mais a respeito desse projeto no blog da Mary, AQUI.


Utilizei o que está referenciado abaixo:

ALLEGRETTI, Mary. Educação na Floresta – o sonho de Chico Mendes começa a se realizar. Disponível em http://g1.globo.com/platb/natureza-maryallegretti/2010/12/22/educacao-na-floresta-o-sonho-de-chico-mendes-comeca-a-se-realizar/. Acesso em 11 de abril de 2011.

BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Disponível em http://www.culturabrasil.pro.br/zip/aosmocos.pdf . Acesso em 11 de abril de 2011.

SACRISTÁN, J.G. E GÓMEZ, A.I.P. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

Do que pode ensinar o professor de filosofia


O professor de filosofia pode exercer uma atividade muito favorável e até prazerosa aos jovens. Através do conhecimento da filosofia – cujos textos tradicionais são, em grande parte, acessíveis a um clique – é possível desenvolver e fomentar as habilidades e capacidades tão requeridas para a solvência dos problemas atuais, para a vida melhor. Mais liberto em relação aos conteúdos do que os docentes de outras disciplinas (como matemática e biologia, por exemplo), o professor de filosofia pode utilizar suas aulas para a execução de projetos interdisciplinares e discussões tangentes à atualidade e à humanidade, apresentando a filosofia não como conhecimento antigo, de erudição, ou distante da realidade, mas como instrumento para a reflexão da vida diária dos discentes. A partir dessa compreensão de filosofia, os alunos podem ser instigados para a contínua reconstrução e avaliação dos seus conceitos, modo de vida e concepção de mundo.

Da contradição entre as funções da escola


Nas sociedades contemporâneas, e desde a escolarização de massa ocorrida a partir da segunda fase da Revolução Industrial, a escola objetiva preparar alunos de forma que estes sejam absorvidos pelo mercado de trabalho, fazendo-os adquirir não apenas o conhecimento específico para tal, mas também as competências e atitudes implicadas nesse processo (noções de hierarquia e autoridade são muito importantes aqui – lembra da palmatória?). A dificuldade desta função está em definir no que consiste essa preparação e como ela se dará: tratará de promover igualdade de condições e oportunidades ou será reafirmação das diferenças sociais, reproduzindo as discrepâncias sociais?
Mas à escola foi delegada mais uma função: especialmente nas sociedades democráticas, é também sua função principal formar cidadãos para a intervenção na vida pública – formar para a cidadania. Entretanto, esse objetivo é intrinsecamente contraditório em relação ao anterior, uma vez que implica em conceitos avessos à lógica do mercado e do capital – igualdade de direitos e de oportunidades, liberdade de escolha, de opinião etc.
Dessa forma, a socialização promovida no ambiente escolar reproduz a ideologia que permeia o funcionamento da sociedade: seus “[...] valores são o individualismo, a competitividade e a falta de solidariedade, a igualdade formal de oportunidades e a desigualdade ‘natural’ de resultados em função de capacidades e esforços individuais” (GÓMEZ, 1998, p. 16). Legitimada pelo que suas escolas reproduzem, a sociedade discriminatória, desigual e injusta será tida como reflexo natural de um processo que evidencia esforços e capacidades individuais.

Conforme citado acima, utilizei o capítulo 1 deste livro:
SACRISTÁN, J.G. E GÓMEZ, A.I.P. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. A imagem é de Tarsila do Amaral.

Escola = espelho??


Eu não tinha me tocado pra isso, mas devemos saber que a espécie humana se ocupa não apenas com a produção de novos conhecimentos, mas também com a transmissão destes às novas gerações, de forma a assegurar a sua sobrevivência. À educação cabe a função de socializar esse conhecimento que é tão necessário para a humanidade.
Desde que foi institucionalizado o processo de socialização através da escolarização de massa, em princípio a função da escola terá caráter conservador: com o objetivo de preservar a sociedade, ela deverá garantir a reprodução social e cultural. Dessa forma, a escola colabora – porque lembramos que ela não é o único agente socializador cuja função é a reprodução social e cultural (temos a família, a mídia etc.) – para a manutenção social, não apenas reproduzindo-a, mas sendo ela própria uma reprodução da sociedade em que se insere.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Do que a escola ensina: ser, não ser ou parecer?


"[...] normalmente, o conteúdo oficial do currículo, imposto desde fora para a aprendizagem dos alunos/as, [...], não cala nem estimula interesses e preocupações vitais da criança e do adolescente. Converte-se assim numa aprendizagem acadêmica para passar nos exames e esquecer depois, enquanto que a aprendizagem dos mecanismos, estratégias, normas e valores de interação social, que requer o êxito na complexa vida acadêmica e pessoal do grupo da aula e do colégio , configura paulatinamente representações e pautas de conduta que estendem seu valor e utilidade além do campo da escola. Esta vai induzindo assim uma forma de ser, pensar e agir, tanto mais válida e sutil quanto mais intenso seja o isomorfismo ou semelhança entre a vida social da aula e as relações sociais do mundo do trabalho ou na vida pública." (Angel I. Pérez Gómez*)

Só pra registrar: lembrei muito da minha escola a partir deste trecho.
Muito mais do que o conteúdo dos livros, o que aprendi estava subjacente nas relações interpessoais que vivenciei e observei.
Estranhamente, foi na escola que aprendi muito a respeito de como se comportar socialmente: mais importante do que ser, é parecer, porque quem só parece goza dos benefícios de ser. Entretanto, quem é mas não aparenta, passa a ser considerado como se não fosse...
Mas os sofistas já contavam essa história há muuuuuuuito tempo.

* Sacristán, J.G. e GÓmez, A.I.P. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Da razão de ser φιλοδιδακτικός

φιλοδιδακτικός ("filodidaktikós") não é mero blog - trata-se de um instrumento de avaliação.
É aqui onde deverei apresentar minhas reflexões e experiências obtidas a partir das temáticas do curso de Didática B, disciplina requerida para a habilitação em licenciatura no curso de filosofia.
"φιλοδιδακτικός" é, portanto, um portfólio reflexivo, no qual espera-se que não apenas o meu processo de aprendizagem seja registrado, mas também ensejado.
Julgo que o blog é uma ótima ferramenta para os propósitos de um portfólio reflexivo. Não raras são as vezes em a linguagem escrita parece não comportar o sentido que intentamos transmitir. Com o intuito de não restringir minhas interpretações às palavras escritas, optei por esse tipo de mídia para utilizar imagens e vídeos, cujos sentidos podem ser mais intuitivos.

Por que "φiloδιδακτικός" ("filodidakticós")?
A filosofia precisa de métodos eficazes para ser conhecida e bem compreendida. Como prescindir de ser 'amigo do didático' para torná-la ao alcance de te todos aqueles que queiram conhecê-la?

Por que a fonte grega?
Primeiramente, por capricho.
Em segundo, pelo "f" grego, o 'fi' = φ, convencionado símbolo da filosofia: por que perder a oportunidade de lhe prestar mais uma homenagem?